domingo, 13 de dezembro de 2015

Menino Sem Engenhos * Antonio Cabral Filho - RJ

Menino Sem Engenhos
-historiadigital-
***
O filho do agregado,
homem de lida,
faz engenho nas monções,
senhor de tudo.

Vem o vento,
candeando nuvens
e fecha cortinas de tarde.

Menos se espera,
a garapa vem do céu
e lava rostos suados,

salgando o caldo da cana,
quando vai a pique a nau dos anjinhos,
sob orações e punhados de terra.

*

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

SORTE # Antonio Cabral Filho - Rj

SORTE
*
Não. Nem era sexta-feira treze,
e ninguém sabe dizer nada
sobre dia nem hora.
Não tinha ocorrido atentado
em nenhum lugar do mundo
e a boite Ba Ta Clan bombava
ao som de "Imagine"
protestando contra as guerras -
não era 1968.

Sequer tem-se notícias
sobre o que dizem as cigarras
em seus cantos trombeteiros
e qualquer um podia bordejar,
solenemente, 
pelos calçadões das metrópoles
admirando belezas arquitetônicas,
naturais ou não, 
inclusive as esculturas humanas
que nos rodeiam e passam ao largo
quando numa dessas
seu olhar colou
numa "juliana paes"
em "trotoir à Belle Du Jour"
cruzando seu itinerário
e sem mais nem menos
tropeçou no carrara de prima
e foi ao chão.

Ninguém viu nada
nem sabe dizer como,
e corre à boca miúda
que como John Donne,
dizia que ninguém é uma ilha,
mas bateu com a cabeça
de modo fatal
e veio a óbito.

Agora, está no Pechincha,
e repousa na Mansão de Deus Amém.
*

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Um Doce Espinho Chamado Saudade * Antonio Cabral Filho - RJ

Um Doce Espinho Chamado Saudade
*
*

Ao findar o expediente, 
cruzei a tiracola da direita para a esquerda,
dei um confere no black-power,
ajustei a pantalona
e escovei o quichute guerrilheiro,
dei uma beijoca na "Mundinha"
e fui direto pra tendinha do Juca,
peguei uma Pitu e três limões,
e parti lá para o MAM¹,
onde rolava uma geral do Oiticica².

Quase cheguei atrasado
para o slam dos poetas,
mas fui jogado na roda 
gritando meus versos.
Hélio Oiticica flutuava no salão..

Depois, formou-se uma roda
no alto da rampa de acesso,
todos sentados no vão
espremendo limão nos copos
se fartando de pinga à vontade;
era o nosso "Samba em Berlim"³.

Falamos por um bom tempo
sobre os avanços das artes
nos últimos anos, de política,
e das liberdades democráticas
pelo mundo a fora, 
ainda que burguesas,
do "socialismo" sem liberdade
nem direitos elementares
como respeito à pessoa humana
e a nostalgia guerrilheira
tomou conta, mas gritei:
Vão se deixar fisgar
pelo "doce espinho chamado saudade"?
e fomos todos ver a exposição.
***
1 - MAM: Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro;
2 - Hélio Oiticica - Artista Plástico de vanguarda nas décadas de 60-70;
3 - Samba em Berlim - Aperitivo feito com cachaça, limão e Rum, muito usado pela juventude durante os Anos 70.
***

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Deuses Virtuais * Antonio Cabral Filho - RJ

Deuses Virtuais
UHE - Página Antonio Cabral Filho - RJ
http://unionhispanomundialdeescritores.ning.com/group/concursodepoesahomenajealpoetavirtual/forum/topics/deuses-virtuais-homengam-ao-poeta-virtual-antonio-cabral-filho-rj 
**
Não sei se foi em sonho
mas fiz um passeio 
ali pelas planícies de marte
por entre suas labaredas solares
só pra pegar esse dourado Tupi
da minha pele tropical
como acontece na piscina do meu clube
ou sobre as ondas do Arpoador Carioca.

E como num delírio,
eu caí na órbita lunar,
mas sem nenhuma gravidade,
em clima o mais agradável possível,
em plena festa de deusas
e fui saudado como tal
e como tal saudei a todas.

Mas Vênus veio a mim,
solícita e afável,
impondo todo seu porte grego
e a devida autoridade do seu Mito,
mas ao fitá-la vi seus traços Guaranis,
seu rosto na moldura solar,
cercado de Nereidas e outras ninfas
de todas as lendas e mitologias,
bem como apraz às deusas dessa estirpe.

Depois, fui levado a uma festa,
guiado por uma mão que eu só sentia
ouvindo uma voz de flauta
dizer-me: Seja bem vindo ao Olimpo,
onde habitam os poetas virtuais.

*

Exercício Nº 1 * Antonio Cabral Filho - RJ

EXERCÍCIO Nº 1
ANTONIO CABRAL FILHO - RJ
*
Exercício Nº1
*
Letras são pessoas
em busca do espaço
em permanente dúvida
sobre os seus lugares.
Tal a multidão na urbis
tentando órbitas,
em motins relâmpagos
no incêndio dos desejos.
E em pequenos grupos
se tronam corpos,
assim "juntam-se as letras
as palavras nascem".

Antonio Cabral Filho - RJ
*

sábado, 31 de outubro de 2015

Quando O Amor Prevalece * Antonio Cabral Filho - RJ

Quando o Amor Prevalece
***
Quando o Amor Prevalece

Só pra me conter
punha as mãos na cabeça
quando ela passava
em frente ao meu trabalho.

Já sofri lapsos,
troquei a senha do cartão,
esqueci a carteira no bar,
fiz horas extras sem querer,
tudo isso e muito mais
só pra vê-la passar.

Seu andar tiritante,
seu jogo de quadris,
aquele vestido branco
acabam com a minha paz.

Meu coração quase pára
quando ela entra na loja
querendo outra sandália, 
mais uma "rasteirinha"
pra desfilar calafrios
pelas pistas do meu peito.

Seu pesinho é trinta e cinco
e primeiro lhe acaricio
segurando em seguida
ao calçar-lhe a sandália
e ao perguntar-me se gostei,

causou-me tantos gaguejos
que nos pomos a sorrir.
E agora perante ao padre
percebo o que é que acontece
"quando o amor prevalece".
***

domingo, 6 de setembro de 2015

Discurso Dos Ventos * Antonio Cabral Filho - RJ



Discurso Dos Ventos

Cruzo as ruas
E seus hermeneutas
Desfilando discursos
Enfileirados

Seguindo a ordem unida
Das disciplinas disformes –
Ovos de serpentes extintas

Noto cobranças herméticas
Em prosas prolixas estéreis
Nos raios cortantes das pedras

Um vento frio repõe a poeira
Erguida pelos coturnos
De antigas marchas cinéticas

Tudo se move
Por entre os cubos de gelo
Da velha taça sempre inerte

E quando eu puder
Também farei discursos herméticos
Para os ouvidos moucos
Mas por ora

Ouçam o que dizem os ventos 

***

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Revolução Dos Livros * Antonio Cabral Filho - RJ

Revolução Dos Livros
*

Aprendi com minha Helena
que os livros de Lênin
ensinam coisas boas;

ensinam fazer greve
para comer um pouco mais;

ensinam falar em público
e liderar desnorteados;

ensinam fazer barricadas
e trocar tiros
com inimigos imaginários;

ensinam ferrar o patrão
e ver seu sangue ferver
com as máquinas paradas.

Mas aí eu descobri
que entendia muito bem
as leis econômicas
da exploração capitalista 
que massacram os operários;
mais nada.

E troquei os livros de Lênin
pelos livros de Drummond
e descobri que a poesia
é que liberta as pessoas.

*

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Cheiro De Poesia * Antonio Cabral Filho - Rj

-dreamstime-
***
Cheiro De Poesia

A poesia emana de meus poros
e irradia seu odor ao redor.

Faz arder certas narinas
e distender outras.

Ela faz isso
para que todos entendam
que a poesia trabalha
o dia inteiro
e tem pleno direito
a liberar suas essências.

Isso não subentende
que ela imite a indústria química,
as refinarias de petróleo
e as usinas de açúcar,
que o fazem à revelia
do Protocolo de Quioto.

Porém, há uma diferença ímpar
entre o que exala a indústria
e o que expele a poesia.
*

sexta-feira, 19 de junho de 2015

A Morte e a Morte Do Poeta * Antonio Cabral Filho - RJ


Morrer a morte alheia
que morreu o dono do corpo
estirado ali na esquina
sem ninguém saber quem morreu

é morrer a morte do corpo
posto que a persona inexistia,
é incluir-se na multidão anônima
e ser mais um ninguém
dos quantos habitam os campos santos.

Eis a morte
enquanto morte,
                                      simplesmente.
Mas a morte do poeta
jamais é morte
enquanto morte simplesmente
por ele ser um
dom quixote sem la mancha
sem rocinante sem espada
sem moinhos de ventos
sem mais nada
para além da musa
e do caçuá de sonhos
que tanto inspiram seus versos.

É que o poeta é um ser gasoso,
movido a substâncias eteretílicas
que acumula ao longo do estado sólido
estranhas toxinas líricas
por ele mesmo ditas poéticas,

como fizeram tantos soterrados
no Cemitério dos Poetas
vítimas da maldição rilkeana
de equanimização com as pedras,

entre tantos alguns amigos meus
como alfredo silva, carlos couto,
pedro giusti, almiro jose,
alfredo chlamtac filho
....................................
e o desconhecido subjacente à linha
marginalizado pela máfia do silêncio,

todos que uma vez evaporados
não puderam ver a fumaça
onde expiraram seus versos,
mas obrigaram a morte a ter trabalho triplo
para eliminar o homem, a obra e os sonhos.
*
**

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Poema Sem Tribo * Antonio Cabral Filho - Rj

CONCURSO
1ª ANTOLOGIA
http://antologiabrasilliterario.blogspot.com.br/ 
***
Poema Sem Tribo

Toda tribo tem cacique,
não há mesmo quem o negue;
mas na tribo em que sou índio,
cacique nada de costas
pra não virar souvenir.

Vejam a tribo dos católicos!
O cacique fica em Roma,
vira broche, chaveirinho, calendário
e vai acabar na hóstia
saboreado com vinho.

Como não sou tanto assim,
prefiro o Cacique de Ramos,
onde o poder é de todos
e a ordem é só foliar!

*

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Diário De Bardo * Antonio Cabral Filho - Rj

Blog Do Poeta Cabral
***
Diário De Bardo

Sei todos os afazeres
do comissário de bordo,
e ignoro os escritos
do seu caderno de notas.

Sei que ele sabe tudo
de segurança de voo
e desprezo seus saberes
sobre distúrbios de bordo.

Mas o que o comissário não sabe
é que o bardo sabe coisas
que ele nem imagina

nem nunca se preocupou:
É que os voos do bardo
dispensam até decolagem.

*

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Circo VAIKIVAI * Antonio Cabral Filho - Rj

*Palhaço Carequinha*
-bordadeiras-
**********************

CIRCO VAIKIVAI

Hoje tem arrelia, tem sinsinhô (!),
e bastava o grito do Palhaço Tokitô
enchendo o povoado humilde
de Bom Jesus dos Perdidos,
que acabava com a rotina.

Era um tal de portas escancaradas
nas casas mais recatadas do lugar,
onde ninguém via sequer nesgas
da pele dos habitantes sisudos,
devido ao medo de forasteiros
e raptores de princesas suspirosas.

Nas cozinhas as panelas dormitavam
sobre mesas, fogões, pias e tanques
cobertas de moscas em festa
graças ao Palhaço Tokitô
sequestrando cozinheiras,
que fugiam de cabelos cobertos
até em panos de cozinhas.

Sequer sobrava um menino
pra ir ali na Venda do Quinquim
buscar dez-tão de fumo
pra mode vovô fazer um pito.

Hoje tem arrelia, tem sinsinhô(!!),
ecoava de canto a canto da Vila,
enquanto as moçoilas se pintavam,
se penteavam, se perfumavam
e, como raios, chispavam para o circo...

... mas foi o maior bué
quando a filha do delegado
fugiu com o atirador de facas. 

**
*

terça-feira, 21 de abril de 2015

Canção Do Verbo Encarnado * Antonio Cabral Filho - Rj

Canção Do Verbo Encarnado
***
Minha geração foi assim,
começou pelo quando
e acabou pelo fim.

O amor escorreu pelos cantos
e quando cantamos
a canção do amor armado,

Thiago de Melo estava em Berlim
mergulhado no verde dos olhos
da alemãzinha da ACNUR ,

nossa orquestra saiu de cena
e nossa guerra de guerrilhas
acabou no maior calor...

O suor que expelia seu odor
era o suor frio dos tiranos
nos porões mórbidos da ditadura
executando nossos irmãos.

O ar jazia cheio de sangue
e nós estávamos congelados
nas câmaras de gás dos IMLs.

Vínhamos de todos os lados,
desde os vales profundos do Ribeira,
das chapadas mais íngremes do Araguaia
ou dos guetos subumanos da urbe.

Éramos nós o odor de fumaça
que agredia as narinas alheias
com a catinga de carne queimada.

Éramos nós o encanto das canções de protesto
cantadas na avenida com euforia
para engendrar os projetos do futuro,

como somos nós os ignorados da história,
os estranhos os comícios,
a cadeira vazia das reuniões oficiais,

pois somos nós que chegamos e partimos
sem ninguém saber quem somos
e que vamos lá adiante,

distantes da balburdia alienante
e quando vós menos  esperais
somos nós que nos imolamos 
às vossas portas
contra a apatia com que nos matais.

Como todos vós podeis ver,
a minha geração é assim:
começa pelo quando 
e acaba pelo fim,
mas não fica à toa na vida
pro seu amor lhe chamar
e ver a banda passar
tocando coisas de amor...
***

sexta-feira, 3 de abril de 2015

DESTROÇOS DE MIM / SONETO RUBRO * Antonio Cabral Filho - Rj

-TIRADENTES / PORTINARI -
**************************
Destroços de Mim

Caso eu desapareça
Sem deixar vestígios
Procurem por minhas pernas
Pelas ruas do país
Por onde estarão sempre
Rumo ao próximo compromisso;

Dos braços eu posso informar
Estarão cerrados
Em  torno do meu bem
E o coração disparado
Batendo junto com o dela
Pelo prazer explosivo;

A caixa de estrumes do tronco
Não servirá para nada
Exceto a urubus famintos
Afeitos a matéria tão reles;

A cabeça não busquem não
Que estará rolando por aí
Entumecida de dúvidas
Temendo desnortear outras
Com sua consciência pesada;

Quanto a possíveis lamentos
Daquelas pessoas queridas
Serão totalmente inúteis
Pois eu já hei evadido... 

*

quinta-feira, 26 de março de 2015

PARTO RELÂMPAGO - Poema * Antonio Cabral Filho - Rj

CADERNO LITERÁRIO PRAGMATHA
Nº 67 MARÇO 2015
EDITORA: SANDRA VERONEZE - RS
http://cadernoliterario.com.br/autores/585-Antonio-Cabral-Filho 
*
PARTO RELÂMPAGO

Casalzinho namorando no portão,
o clima subindo, altos beijos, 
suores vindo à tona,

de repente a menina solta gritos,
gemidos, urros de dores
vindas das profundezas d'alma

a ponto de o pobre ficar perdido,
sem saber se a pega nos braços,
se a leva para a varanda da casa,

mas de repente ela abre a bolsa
e põe-se a revirar tudo em busca
de alguma solução, talvez um remédio,

e quando menos se espera, pega
uma folha de papel e um lápis de baton
e faz anotações nervosas aos rabiscos.

E ao perguntar-lhe o que houve,
como está se sentindo, se é gravidez,
obtem a resposta, entre dentes:

- Acaba de nascer um poema! 
***