Há muito não visito Niterói. Mas o Araribóia continua o mesmo. Os meninos de rua também. Agora, a estação das barcas não tem mais cobertura, não tem mais conforto para os visitantes, moradores de rua, assaltantes de tocaia, pedintes, vendedores de bugingangas, butecos ordinários, cambistas de bilhetes lotéricos etc, mas se eu chegar na cidade que já foi capital do estado e não ir a Gragoatá, perdi a viagem.
Só que hoje eu empaquei. Parei no portão da UFF e fiquei olhando o ir e vir de estudantes, coisa que eu já fiz também. E lembrei-me dos romances que "assisti". É verdade, eu "assisti" muito romance na vida universitária. Alguns marcantes. Outros mesquinhos. Mas tem um que deixou lembranças tristes. É que um amigo meu, o Almiro, conheceu uma menina, a Samira, estudante de psicologia. Eles se apaixonaram tanto um pelo outro que parecia uma doença. Brigavam de tirar sangue um no outro. Não foram poucas as vezes que, nós, os amigos, tivemos que nos intrometer e separá-los, porque estavam machucando um ao outro. E, tão logo eram separados pela "plateia", se refugiavam no banheiro e iam trepar. Muitas vezes nos maldizemos por tê-los separados por ficar de cara-grande, envergonhados...
Mas num domingo desses qualquer a turma marcou de se encontrar na Praia das Flechas, em frente a Pedra da Itapuca. Todo mundo levou comes e bebes. Só que não contavam com a presença do casalzinho para criar problemas; ou seja, eles sabiam da rejeição da turma pelo comportamento deles. Toda a turma sabia, também, que ambas as famílias não aprovavam aquele envolvimento de uma mulher lá com seus trinta e um menino na altura dos 19, o que lhes causava certa dificuldade para ficar juntos, pois não dispunham dos equipamentos familiares. Ou seja, de certo modo, sofriam com o romance e a repulsa de todos os lados.
Isso leva-me a pensar naqueles "amores doentios", coisa de Camilo Castelo Branco, William Shakespeare, Gabriel Garcia Marques e cia... mas sem a "entourage" dos mesmos. Lembra-me também dos lacanianos, freudianos, reichianos, que fizeram "escola" às custas desses amores mesquinhos, a ponto de gerarem receita aos espertalhões do divã...alô Dr Gikovate!
Já vendi muito livro desse Autor para garantir meu pão-de-cada-dia. Mas, segundo a turma, eles chegaram na praia por volta das dez; uns foram montar as barracas, outros pôr as bebidas para gelar enquanto as meninas preparavam suas toalhas e esteiras para pegarem um bronzeado.
Quanto ao "casalzinho", ninguém se metia no roteiro dele; mas nem demorou a surgir o primeiro "inquérito", pelo fato de ela querer ficar pegando sol e ele quer mergulhar; rolou um empurra-empurra, me pega-me larga, me-deixa-me-solta, mas nada que a turma-do-deixa-disso não pudesse resolver.
Devido à ocupação do pessoal com os preparativos pré-mergulho, ninguém notou o desenrolar das coisas do "casalzinho"... só que ninguém percebeu que a "digníssima" estava sentada na areia, bem na beira da água, com a cabeça sobre os joelhos e os braços cruzados em torno do rosto, tremendo e soluçando. A razão foi notada quando a dita apontou para a Pedra da Itapuca, e, gaguejando, disse que ele pulara; depois de muitos soluços, conseguira dizer que ele não voltou... A colega chamou a atenção de todos e alguém meteu a cara n'agua e foi ver se encontrava o Amigo Almiro. Mergulhou uma vez e voltou e nada; mergulhou outra vez e voltou e nada; dado ao cansaço, outro mergulhou e voltou e nada; mergulharam mais dois e voltaram e nada; e a turma foi mergulhando... até que alguém teve a ideia de chamar o Corpo de Bombeiros, que dado ao fato da cidade ser pequena, chegou rápido e foi logo descendo. Dizem que desceu várias vezes, até que num dado momento um bombeiro subiu com um corpo e perguntou se era ele. O desespero tomou conta. Choradeira geral. Gritos, pragas e ódios vieram à tona; amigos se desentenderam, excessos e xingamentos, mas alguém exigiu respeito e todos se calaram: Era o corpo do meu amigo Almiro, que segundo Samira, mergulhara pelo amor que ele tinha por ela.
Não vou perturbar o seu juízo com minhas lembranças do Amigo, que sempre ficava sentado ao meu lado tocando e cantando Faroeste Caboclo, nem que durasse o dia inteiro; porque era a única música que ele conseguia "tirar" do violão pelo fato de estar no início do curso de cordas na Escola de Música de Niterói. Era uma pessoa promissora, de bom caracter, politicamente independente, cantor e compositor natural, poeta de mão cheia, mas vou deixá-lo com a LENDA DA PEDRA DA ITAPUCA, dado à semelhança mitológica do romance do "casalzinho":
PEDRA DA ITAPUCA*&*
Localizada ao largo da Praia de Icaraí
Trata-se de um monumento natural localizado entre as Praias de Icaraí e das Flechas, sob a designação indígena de Itapuca (pedra furada) por haver tido, em sua forma original, um túnel natural. A pedra foi parcialmente demolida por ordens do Presidente da Província, Conselheiro Pedreira, para dar prosseguimento ao Plano de Arruamento de 1840-1841, criando uma comunicação direta entre os bairros de Ingá e Icaraí.
A "pedra furada" é apenas conhecida através de uma pintura a óleo sobre madeira, de 17 cm x 30 cm, atribuída a Julius Mill. A atual imagem da Itapuca foi, posteriormente, largamente reproduzida. Na República, o Tesouro Nacional fez um ensaio nas oficinas de gravura da Casa da Moeda do Rio de Janeiro, de papel-moeda do valor de 200$000Rs. (duzentos mil réis). Esta mesma paisagem foi escolhida pelo Barão do Rio Branco para seu ex-libris. Também apareceu reproduzida em selos do Correio, em tiragem de dois milhões de unidades, posta em circulação em 2 de abril de 1945, comemorando o centenário de nascimento de José Maria da Silva Paranhos. Em 1907, as lojas maçônicas de Niterói (Acácia, Evolução, Hiram, Liberdade, Igualdade e Fraternidade e Vigilância) escolheram a Itapuca para figurar no timbre de uma nova entidade - o Novo Grande Oriente do Brasil.
A Pedra de Itapuca abriga uma lenda na qual a índia Jurema manteve com o guerreiro Cauby uma aventura amorosa. Conta-se que Jurema estava prometida ao mais forte e bravo dos guerreiros de sua tribo, quando se deparou, um dia, com Cauby, de nação estranha. Desde então, nas noites de lua, Jurema cantava e Cauby a ouvia. Um dia, o romance foi descoberto pela tribo de Jurema, sendo os dois amantes atacados. Cauby, temeroso, fugiu. Curada dos ferimentos, Jurema nunca mais cantou. Muda e triste, permanecia na praia, todas as noites, chorando as saudades de Cauby até que, passadas seis luas, chegara a hora de seu casamento forçado com outro guerreiro de sua tribo. Na véspera, Jurema, mais uma vez, se dirigiu à praia e começou e cantar. Foi quando, saindo das águas, Cauby abraçou-a e os dois se deixaram ficar, protegidos pela lua, até que membros da sua tribo os cercaram, armados e enfurecidos. Na luta desigual, os amantes pagaram com a vida. Nesse momento, Tupã, a pedido de Jacy - a lua - abençoando o amor de Cauby e Jurema, transportou-os para o interior da pedra, onde permaneceram eternamente unidos.
Em 1985, o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - INEPAC - tombou a Pedra de Itapuca como monumento natural, através do processo E-03/33.538/83, de 9 de junho.
Retirado do livro "Niterói Patrimônio Cultural", editado pela SMC/Niterói Livros...