sábado, 20 de julho de 2013

CANÇÃO PARA RAINER MARIA RILKE * ANTONIO CABRAL FILHO

CANÇÃO PARA RAINER MARIA RILKE

Não sofro da maldição
que atinge tantos poetas
que choram pelos cantos
por suas próprias tragédias;

Também não sou como tantos
que fazem de suas dores
simplesmente fingimentos
e levam vidas dramáticas
fingindo ser fingidores
das dores que deveras sentem
e vivem vidas ausentes
na história de seus tempos.

Não chego a ser como tu,
vate talhado a mármore,
de verve inigualável no traço,
sem lágrima para verter inútil,
bardo transmudado em verbo
sobre a equanimidade do tempo...

Mas minha palavra-esgrima
esgrime as dores da hora presente
sem tentar saber se dói
o ardor que o poeta sente
de elevar mais alto o valor
da missão que faz do poeta
coveiro das maldições vigentes.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

CRÔNICAS DO LIRISMO IMEDIATO 6: ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS, LEWIS CARROLL * ANTONIO CABRAL FILHO


Era uma menina estudiosa, vinha sempre à biblioteca pesquisar. Nunca desarrumava a seção dos livros que usasse e sempre pedia licença para consultar algo que fosse mais reservado, além de nunca se despedir sem antes agradecer pela atenção dispensada.
- Gente fina é outra coisa, pensava a bibliotecária.
Quando a menina saía, parece que ficava um buraco, um oco, um váquo na biblioteca tamanho era o vazio  que sua ausência causava. É que a presença dela ali sentada caladinha folheando livros, fazendo anotações em seu caderno, às vezes escrevendo por longo tempo, elevava a sensação da importância da biblioteca, da sua dimensão incomensurável como espaço de leitura, pesquisa, lazer e fator cultural na vida das pessoas.
- A senhora pode me ajudar... Seus pedidos vinham sempre precedidos pelo gesto de humildade, fazendo com que qualquer um se colocasse ao seu dispor, pronto a colaborar para o seu sucesso.
Da última vez que veio à biblioteca, ela estava fazendo um trabalho sobre contos de fadas. Chegou devolvendo o Psicanálise dos Contos de Fadas, do Bruno Bethelhime, após ler vários do assunto, mas precisava de um suporte prático, e, entre tira-e-põe livros na seção, espalhou alguns sobre a mesa, junto com seus cadernos, pastas e bolsa. -Tem algum livro de contos de fadas? Perguntou, enquanto recolhia os livros para arrumá-los nos respectivos lugares. Quando a bibliotecária respondeu que iria procurar imediatamente algo que lhe atendesse, rapidamente pôs dentro de seu caderno o Alice no País das Maravilhas, do Lewis Carrol, e jogou a bolsa por cima, foi para a estante guardar os outros e gritou "deixa pra lá, depois eu vejo isso", crente que a bibliotecária não tinha notado nada, demorou o suficiente para que a mesma voltasse à sua mesa, se certificou de que os livros estavam organizados corretamente e passou aos agradecimentos de praxe, como sempre fazia, expressando sua preciosa humildade, pegou a bolsa, pôs o caderno com o livro dentro de uma pasta e foi saindo.
- Boa leitura, você merece! Disse a bibliotecária, sem dirigir-lhe o olhar. Ela agradeceu e partiu se perguntando " Será que ela percebeu?"

sábado, 6 de julho de 2013

CRÔNICAS DO LIRISMO IMEDIATO 5: A AMÉRICA, MONTEIRO LOBATO * ANTONIO CABRAL FILHO


Ao longo da minha vida tenho me dedicado ao máximo a ler os escritores brasileiros, mais por predileção do que por patriotismo ou nacionalismo ou algo parecido, que não sofro desses males. Mas entre os escritores brasileiros dei prioridade aos nacionalistas, só para verificar em que medida esses autores são de fato patriotas. Por exemplo José de Alencar com o seu "O Guarani", explorando um romance entre um índio e uma mulher branca: Minha simpatia por ele esvaiu-se ao descobrir seus laços com a monarquia no Brasil.
Após uma verificação panorâmica, pude perceber que os tais "nacionalistas" fundamentam suas posições ideológicas no xenofobismo para obterem a exclusividade na exploração dos seus compatriotas. Por aí percebi o quanto somos inimigos ideológicos. 
Mas já cometi equívocos. Só para dar uma ideia, cheguei a pensar que José Lins do Rego fosse comunista, graças à profundidade com que aborda os dramas nordestinos em sua obra, quase o igualei ao Soljenitzin do Ivan Denitsovicht, e empaquei ao descobrir seus vínculos com o Integralismo de Plínio Salgado.
Porém, Jorge Amado salvou-me. Foi quando descobri Graciliano Ramos, que juntou-me com a cadelinha Baleia, Dona Flor e seus dois maridos, mais Alexandre e Outros Heróis, para atingir a concepção marxista da arte.
Agora eu saio madrugada a dentro chutando chapinhas na escuridão, posso ler de tudo, e livre de qualquer contágio. Agora, eu reúno Maquiavel, Lévi Strauss, Oliveira Viana e Mariátegui com Lima Barreto, Aluízio de Azevedo, Mário de Andrade, Manoel Bandeira, Drummond, e, de quebra, o Oswald, devidamente sob as ordens da mamãe, só pra zombar de mim, todos sob o comando do velho Lobato, para desafiar o côro das contendas, regado a café do Sítio do Picapau Amarelo com bolinhos de vento da Tia Anastácia, e acabo ileso, avisando a todos que sem Marx não tem saída.
Porém, algo me causava espanto. É que sempre procurei ler meus escritores de ponta a ponta, para não julgá-los apenas por uma obra e fazer deles um juízo errado ou parcial. É o que aconteceu com o Lobato, que li toda sua obra; com exceção de um livro: O América. Sempre deixei-o para depois, empurrado para o lado, para quando desse, e, muitas vezes recriminei o Lobato: Que porra é essa ?! Pra quê um livro com esse título, cadê o patriotismo, o que houve com esse cara?! E seguia impingindo-lhe outras pechas, indignado com meu grande gênio "descobridor do petróleo no Brasil" tão cantado em verso e prosa, e me perguntando se ele teria desbundado, jogado a toalha e fugido sem pedir pinico, abandonado a luta e traído seu povo, como normalmente acontece com a esquerda, que se acomoda ou renega. Mas constatei pior: Percebi que ele, o Monteiro Lobato, nutria uma simpatia mórbida por George Washington. Prova disso é o fato de ele assim que pôs os pés em solo norteamericano, marchou direto para a estátua do cara, aí meu(!), e ficou lá estatelado olhando para o Pai do Tio Sam, creio eu por desconhecer tratar-se do inspirador da doutrina do Imperialismo, ou melhor, da dominação de outras nações a qualquer custo.
Outra coisa que me intrigava era uma frase atribuída ele : "Um país se faz com homens e livros", que eu nunca encontrara em nenhum livro, e que é reproduzida a torto e à direita. E ei-la na página 45 do dito América, das Obras Completas, Editora Brasiliense 1966, com exemplares numerados, ostentando o número 3558 , que vem rolando comigo já há mais de vinte anos, finalmente escabaçado hoje, pra gozar do meu antiamericanismo.
Mas só pra encerrar eu queria perguntar ao Lobato, enquanto o Drummond se empanturra de pão-de-queijo, se no Memorial Lincon e no Obelisco a seu idolatrado Washington ostenta gravada alguma lembrança aos seus compatriotas que trabalharam na construção dessas "homenagens...?!"