sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

NADA MAIS QUE SOLIDÃO # ANTONIO CABRAL FILHO - RJ

internet
*
O poeta vai à sacada
e lança os olhos à rua,
seco de novidades,
de algo que ressuscite
a sua alma
exaurida em solidões,

e só após um longo tempo
olhando para a rua
com seu olhar andarilho
se toca de que ela está deserta,
tão deserta quanto a alma do poeta,

sem ninguém sentado ao meio-fio
ao lado de alguém a postos
para ouvir-lhe as abobrinhas,

sem as  levas de crianças
naquele corre-corre nervoso
do pique-esconde, do pique-parado
ou do foge-foge da molecada
que lá vem pai, mãe, sei-lá-mais-quem,
abedunhar o que estão fazendo...

sem nenhuma roda de alterocopitas
concentrados no objeto de adoração,
absortos no mundo de Dioniso,
até verem o olhar frio de Tânatos
lá no fundo dos copos,

mas para quebrar o gelo,
surge um cão perambulando,
meio que perdido, ziguezagueando,
farejando a esmo
pra despistar-se de si mesmo,
até que um gato camuflado
na turbidez sob um carro
salta sobre ele
e a madrugada pega no tranco.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

CAROLINA MARIA DE JESUS EM TROVAS # ANTONIO CABRAL FILHO - RJ

internet
*
CAROLINA MARIA DE JESUS EM TROVAS
HOMENAGEM AO SEU CENTENÁRIO
1
Carolina, de nascença,
é Maria de Jesus,
sem saber qual a sentença,
carregou a sua cruz.
2
De nascença, foi bastarda,
mas foi seu SÓCRATES NEGRO
quem mostrou-lhe quantas jardas
anda quem não paga arrego.
3
Muito cedo foi pra lida,
suar o sal do seu pão
e conhecer esta vida
nos palcos da exploração.
4
Primeiro, aturou madame,
aguentando humilhação,
mas viu tanta coisa infame,
que virou arribação.
5
Foi fazer do dia-a-dia
pelas vias da cidade
templo de filosofia,
sem implorar caridade.
6
Trabalhou de sol a sol,
como faz o garimpeiro,
mas a pepita maior
foi o seu berço primeiro.
7
Foi pessoa de respeito,
erguendo alto seu pejo,
guardou as mágoas do peito
no seu " Quarto de despejo."
8
Mas Carolina é Maria,
inspiração de Jesus;
a "Casa de Alvenaria"
veio aliviar a cruz.
9
Passou por muitos percalços,
mas nada sujou seu nome;
nem a força dos fracassos
nem os "Pedaços da Fome."
10
Irradiou seus "Provérbios"
no "Diário de Catita",
sem ligar a lei dos verbos
à lei da sua desdita.
11
Da Sacramento mineira
para a "Canindé paulista",
Carolina foi guerreira
metendo a cara na pista.
12
Sempre foi mulher solteira,
mãe à suas próprias custas;
como não foi a primeira,
fez para si leis mais justas.
13
Carolina de Jesus,
Maria livre de laço,
foi livre porque faz jus
ao seu quatorze de março.
14
Carolina proletária,
Maria de Jesus é
também revolucionária
pelas letras de Tomé.
15
Carolina e Castro Alves
trazem bandeira no mastro:
Coincidem nos entraves
e no quatorze de março.
16
Mas Carolina é demais,
extraiu seu pão da rua
e quanto mais ela sua
mais crê naquilo que faz.
***

domingo, 16 de fevereiro de 2014

COMBOIO MINEIRO # ANTONIO CABRAL FILHO - RJ

(Antonio Cabral Filho)
***
O comboio de caminhões
vai subindo a Serra do Paiol
e só se ouve o ronco dos motores

ronco triste
soluçante
como quem
chora escondido

e por onde passa o comboio
vai ficando uma nuvem
de poeira vermelha

subindo
e se espalhando
com o vento
como se fosse sangue em pó
tingindo o céu de rubro
em prenúncio de tragédia

Dizem que era um comboio
da polícia mineira
com ordens do Magalhães Pinto*
de prender caipiras subversivos
que vivem de fazer sindicato
nas clareiras da floresta
mas sussurram à boca miúda
que os caipira oh

* - Magalhães Pinto, foi um dos cabeças do extinto Banco Nacional e governador do Estado de Minas Gerais, a serviço da ditadura militar.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

COISAS DE CÃO TRAQUINA * ANTONIO CABRAL FILHO - RJ

*
O cão ia pela rua,
a passos firmes
em ritmo acelerado,
como quem vai
a um compromisso.
Súbito, estacou,
olhou para um lado
e para o outro,
farejando o ar,
como que para certificar-se
de alguma coisa.
Andou mais alguns metros,
completando um círculo,
sempre examinando tudo em volta;
levantou a perna e mijou.
Depois, esticou-se todo,
arranhando o chão com as unhas
e seguiu viagem.
Foi aí que o mendigo Garrafinha
percebeu que o cão
tinha mijado no seu pé,
para algazarra da molecada.
*