sexta-feira, 11 de outubro de 2013

CRÔNICA DOS VIVOS * ANTONIO CABRAL FILHO


(Seu Zé, o José Fernandes Bastos)
Aposto que ninguém sai de casa pra visitar uma banca de livros no meio da calçada, há mais de vinte anos. Pois é, eu saio. É que às vezes dá uma secura danada de encontrar novidades. É, novidades. Novidades porque as minhas não estão nas livrarias de best-sellers, nas listas dos mais vendidos, no bate-boca de pessoas frívolas ou nas mãos de alguém burguês o suficiente pra ter tempo de ler porcaria, puramente pra matar o tempo, pra dar sentido à sua ociosidade. É por isso que eu saio de casa, pego o ônibus, atravesso Jacarepaguá "todinho" e vou lá na Freguesia, visitar meu amigo José Fernandes Bastos, nascido, segundo ele, em 1922; no Rio desde 1948 e aposentado há mais de trinta anos, quando se tornou jornaleiro ali no calçadão da Freguesia. Ele diz que foi mensageiro de hotel, mas acabou garçon porque a gorjeta era melhor. Mas reclama que parou de trabalhar com jornais porque tinha que buscar de madrugada, não podia tirar folga, feriado, fim de semana, dia santo etc, nada! E que então começou a comprar livros usados e transformar a banca numa "livraria", só pra tirar um "lucrim" e pronto!
Pois é, foi por isso, de tanto passar por ali e puxar uma prosa com ele que acabei me apegando. Virei amigo, segundo ele. Mas eu me perguntava cá aos meus botões, como é que esse "cabra lá da terrinha" pode vender livros, será que ele conhece alguma coisa, entende do que está vendendo, e, certa vez cutuquei, de leve, o "caboco" usando, pra isso, o Fernando Pessoa. Foi assim: Eu cheguei na banca e vi um livro do portuga e xinguei o pai dele, dizendo que era um pai muito burro, que isso era mesmo coisa de português, não ter sequer um sobrenome decente pra colocar no pobre do filho, além de deixá-lo órfão. Seu "Zé" olhou-me ressabiado, querendo entender o quê que eu estava falando e quando eu lhe pedi o livro do Fernando Pessoa, ele fitou-me sério e perguntou se era dele que eu estava falando. Claro! Respondi. Já pensou você se chamar José Gente? João Humano? Maria Humanidade? Pedro Homo Sapiens? Disparei logo um monte de disparate, mas me preparando pro contra-taque, que veio rápido: Este aqui não precisa sobrenome; é como Sócrates, Platão, Aristóteles, Aquiles! Basta-lhe Fernando, e se fosse apenas "Poeta", arremataria tudo! Meus botões me avisaram que seria melhor jogar a toalha, puxar uma "tangente" pra ficar tudo em banho-maria; perguntei o preço do livro, regateei até cansá-lo e enfim paguei o que ele queria, mas guardei a lição: Ele sabe o que vende.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

NOTÍCIAS DE RILKE * Antonio Cabral Filho

NOTÍCIAS DE RILKE

Meu primeiro contato com Rainer Maria Rilke  foi através do livro Elegias do Duino. Gosto do livro, até porque no momento da primeira leitura eu acabara de livrar-me dos poemas da Cecília Meireles escritos durante e após sua viagem à Índia.

Minha passagem à leitura de Rilke deu-se basicamente por isso: Pensar que ele fosse místico. Em parte eu estava certo, pois constatei em toda sua temática, ao longo de sua obra, a força dos poemas escritos sobre companheiros mortos, elegias a assuntos religiosos, réquiens por isso e por aquilo etc, mas não foi isso o que me fez esbarrar  com a sua poética, porém, basicamente, o contrário; ou seja, o fator materialista, como ele encara o labor poético.
Ao dizer isto, remeto-me à polêmica anacrônica a respeito da poesia aceitar ou não ser um assunto “sistêmico”, isto é, se ela aceita ou não conceitos filosóficos, enquadramentos ideológicos, aplicabilidades de caracter etc, tais como poesia idealista, materialista, religiosa, amorosa etc e afirmar aqui com todas as letras, que ISSO não me interessa, exatamente por considerar que qualquer tipo de obra estética é fruto do espírito humano e só será “objeto” a partir de uma escolha pelos indivíduos, mais nada.

Após deixar isso registrado, quero convidar a todos para conhecer a poesia de Rilke sem essas maniqueisses, como o faria também com dois grandiosos poetas brasileiros: Murilo Mendes e Jorge de Lima.  Mas o Rilke fez-me refletir sobre isso ( tudo!) por uma questão simples, um poema dele que chamou a minha atenção. O poema fala sobre a atitude dos poetas frente ao mundo, frente a si próprios e frente ao labor poético. É mais um dentre tantas ELEGIAS E RÉQUIENS DO RILKE, onde canta com bravura e fala da tão cantada ”oh velha maldição dos poetas” criticando exatamente a atitude conservadora  assumida , ainda , pela maioria das pessoas denominadas “poetas “ , que ao invés de se lamentarem perante ao mundo, à vida, às questões que afligem ao modo de vida e as atitudes que a tudo dizem respeito, deveriam mirar-se no exemplo da grama que transpõe a pedra e vai buscar o sol lá fora das grades dos jardins.

Na época em que ralava para encontrar informações sobre Rilke, entre os anos de 1978 e 80, me debatia sofregamente para colaborar nos Suplementos Literários, que pipocavam pelo país, mais ocupados em publicar aqueles que lhes dessem maior visibilidade dentre as panelinhas; mas aconteceu algo que eu jamais vou conseguir entender: Um poema meu saiu no Suplemento Literário Minas Gerais.
 
Não sei se o que tomou conta de mim pode ser chamado de EUFORIA, mas eu fui ao jornaleiro defronte ao edifício Avenida Central, na Avenida Rio Banco, 176, e comprei todo o estoque do Estado de Minas Gerais; saí distribuindo aos amigos, na Uff, onde cursava direito; no Curso Santa Rosa, Largo de São Francisco, onde cursei contabilidade, na Escola de Teatro Martins Penna, por onde passei e em todo o ambiente cultural carioca, muito agitado na época pela chamada Poesia Marginal, principalmente pelos Grupos Trote, Nuvem Cigana e Navilouca.

Mas coisa de um mês depois eu fiquei estupefato: Chegou-me um chamado do Correio para ir retirar uma remessa e lá fui eu munido de documentos e apreensões. Ao chegar no guichê, identifiquei-me para a funcionária. Ela foi lá dentro e voltou com um recibo para eu assinar. Era dinheiro e dizia tratar-se de Direitos Autorais sobre a publicação do meu poema Odor Primitivo pela Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais. Assinei e saí “explodindo” de felicidade. Eu nunca tinha experimentado uma sensação daquela: Receber Diretos Autorais!

Portanto, era “EUFORIA” sim o que eu sentira ao ver meu poema publicado, e  receber por isso já era demais! Fui direto à Livraria Camões e comprei os livros que eu mais “namorara” naqueles últimos meses e custavam mais de um salário mínimo, mas adquiri a Obra Completa de Rainer Maria Rilke